sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Já Nelas

Tão somente trata-se de contemplar as janelas.

As portas estão todas lá, e nos dizem sem demora nenhuma aquilo que nos espera para além de sua passagem. As portas são as primeiras e mais visíveis entradas; o esperado que cansado de tanto esperar, já se mostra. E mostra-nos, sem culpa e meia-culpa, a paisagem construída e óbvia do que seja uma sala de visitas.

Nas salas de visita, os visitantes são sempre aguardados de alguma maneira. Os visitantes visitam, e uma visita há de sempre ser esperada, por mais remota que seja a possibilidade d´ela aparecer. Porque as visitas apenas adentram aos recintos pelas portas; porque as visitas tocam as cigarras, batem palmas, assoviam ou gritam para anunciar sua presença. O que poderia ser surpreendente desaparece.

O anúncio anterior de uma chegada, já elimina naturalmente qualquer possibilidade de ela existir. As portas representam a morte das chegadas, o fim abrupto de todo o aparecimento e do mistério saboroso que pode envolver todo conhecimento imprevisto. Não se fala “apareceu pela porta”, mas sim “entrou pela porta”. As possibilidades se fecham com o lento escancarar-se de todas as portas. Damos de cara não com alguma coisa que nunca foi vista pelos nossos olhos, mas sim com uma esperada sala de visitas.

Sofás e cadeiras muito silenciosas e desconfiadas em seu silêncio. Todos os móveis nos olham e fingem não nos ver. Os móveis de uma sala de visita, que tem sempre uma porta para alguma entrada prevista, são sempre arredios e indiferentes. As portas dão sempre para “integras” salas de visitas, e mesmo assim, insistimos sempre em procurá-las para se entrar em algum lugar.

Mas há sempre alguém a caminhar pela rua, desapercebido do trânsito dos carros, das brigas dos irmãos e dos sons das televisões de alguma coisa. Nunca este soube o que viria a ser uma porta. Toda vez que sente que deve entrar em algum lugar, olha com certa suavidade para o céu, e procura por uma janela.

As janelas são diferentes. Elas não escancaram uma boca, mas insinuam um sorriso; não gritam para serem vistas, mas sopram para serem sentidas.

O sopro de uma janela revela um cheiro oculto, uma música desconhecida, uma melodia que afaga, um travesseiro com muitas lágrimas soltas ou um caderno com muitas lágrimas presas. Essa misteriosa maneira de se entrar nos lugares, jamais dará para uma concreta sala de visitas, porque nunca se espera que uma visita entre pela janela. Uma janela espera intrusos, aquelas pessoas que carregam o dom dos mais curiosos e saltam para dentro. A porta pede-nos apenas alguns passos, mas a janela exige-nos sem remorso um pequeno salto.

As janelas, seja em que parte do mundo elas se encontrem, darão sempre para o saboroso e aconchegante mistério que todo quarto esconde; todos os suspiros encontram-se em um quarto. Não conheço janela que não vá dar em um quarto. Os quartos não são como as valsas da sala de visitas. Eles mesmos são uma dança sem nome; um lugar sem endereço. Existe paixão nas janelas; um silêncio que chama muito a atenção. Nunca vemos o que está por trás de uma janela e de sua eterna brincadeira com o mistério; sempre caminhamos por um delicado e cativante caminho de suposições. As janelas brincam com nossos significados. Se entrarmos por uma janela em qualquer sala de visita, ela deixará de ser uma sala de visita e será um límpido e desconhecido quarto; lugar de falas baixas e toques silenciosos...

Quanto a mim, deixo minhas portas sempre abertas, esbaforidas, nítidas escancaradas; mas as janelas, essas prefiro deixar delicadamente entreabertas..

Madrugada do dia 06 para o dia 07



By Clóvis