terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Gestalt e Psicologia da Morte (parte 1)

"O ser para a frente de si mesmo nada mais é do que o ser para a morte. É essa certeza inaceitável que fundamenta a ambiguidade do horizonte existencial. Todos os mitos de tempo são mitos de cataclismos, que buscam no fim do mundo uma promessa de ressureição...o tempo é criação do homem, não apenas na forma de parâmetro que facilita a ordenação das ações humanas, mas sobretudo como tentativa de negar a própria morte."
(Augras)

INTRODUÇÃO

Conta uma parábola budista que uma jovem mãe estava angustiada com a morte de seu bebê, e, não agüentando mais suas lástimas, pede conselho a Buda. Ela conta que estava extremamente triste e incapaz de superar essa perda devastadora. Buda manda que ele vá em todas as casas da aldeia e traga uma semente de mostarda de cada casa que nunca conheceu a morte e as leve pra ele. Ela, diligentemente, bateu de porta em porta, e, como sempre saía com as mãos vazias; percebeu então que não havia nenhuma casa que não havia sido tocada pela morte. Ela voltou a Buda sem nenhuma semente de mostarda e ele disse o que ela já percebera: não estava sozinha. A morte é algo que acontece a todos nós, a todas as famílias. É só uma questão de tempo. O que é inevitável, disse ele, não deveria ser excessivamente lamentado.Sendo a morte talvez a única verdade certa com que temos que lidar, pelo simples fato de termos nascido e estarmos vivos, o grande questionamento que se faz é porque a maioria das pessoas encara a morte com surpresa ou choque. De fato, o maior obstáculo enfrentado diante da perda de uma pessoa querida ou quando se defronta com a própria mortalidade é o reconhecimento que a morte faz parte da vida. A percepção da nossa condição de finitude emerge nas situações críticas, e é nessa hora que temos que lidar com algo que por definição não poderá jamais ser restituído. Ficam as recordações da pessoa que se foi, mas o contato emocional direto nunca mais poderá ocorrer. Quando se perde alguém querido, perde-se um universo inteiro de relações que integravam a nossa própria existência. Então nos sentimos diminuídos emocionalmente com a ausência daquela pessoa.Em algumas filosofias orientais é ensinado que conhecemos as coisas comparando-as com o seu complemento. Dessa forma, podemos entender melhor a morte se analisarmos a vida, ou vice-versa, podemos compreender melhor a vida quando aceitamos a morte, ou quando passamos por experiências em que a morte chegou bem perto do nosso espaço. Não é à toa que pessoas que escapam ilesas de algum acidente violento ou sobrevivem a um câncer contra todas as expectativas médicas, afirmam que passam a dar mais valor à vida.
Outra parábola budista conta que um monge conservava uma xícara de chá ao lado de sua cama, e, toda noite, ele a emborcava. Toda manhã ele tornava a virá-la. Quando um noviço perguntou o motivo, o monge explicou que esvaziava simbolicamente a xícara da vida toda noite para indicar sua aquiescência à sua própria mortalidade. O ritual servia para lembrar que havia feito todas as coisas que tinha pra fazer naquele dia, e, assim estava preparado se a morte chegasse. Toda manhã, virava novamente a xícara como sinal que aceitava a dádiva de um novo dia. Assim, ele vivia um dia de cada vez, reconhecendo a dádiva maravilhosa da vida em cada amanhecer, mas preparado para abandoná-la no fim de cada dia.Falar sobre morte é, portanto, falar sobre a vida, sobre o valor da vida. E a maneira mais enfática de valorizar a vida é (re)descobrir o momento presente, vivenciar autenticamente a experiência de se estar no Aqui-Agora. A história é passado, não se pode alterá-la; o futuro é incerto, apenas soma de projeções que fazemos. É, então, no momento presente que existe a possibilidade de percebermos o quanto negamos qualquer reflexão sobre a morte. O quanto evitamos uma incursão no campo do desconhecido, que é, segundo Clarice Lispector onde reside a largueza de cada um de nós. Se estabelecermos um contato autêntico com a idéia de nossa própria finitude, poderemos abrir espaço dentro de nós para ressignificar nossa relação com o viver, dando uma nova qualidade a este ato.A Gestalt-terapia adiciona suficiente embasamento para discorrer acerca do fenômeno da morte, na medida em que é basicamente uma filosofia de vida que aponta um direcionamento para a tomada de consciência do presente, do Aqui-Agora, ou seja, para a tomada de consciência da vida, através do contato autêntico com o mundo, e da integração das partes da personalidade que estão fragmentadas pela falta do contato saudável com o meio.