quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Gestalt e Psicologia da Morte (Parte II)

Atendendo a pedidos ;) , aí vai a segunda parte do meu trabalho sobre Psicologia da Morte:

Teoria Organímica e Morte

Talvez por sermos organismos biológicos façamos qualquer coisa para continuarmos vivos. A Gestalt possui uma visão holística do organismo. Isso significa que nós não temos um corpo, mas nós somos um corpo, e este funciona como um todo. O corpo não é apenas a soma de vários órgãos, mas sim, uma unidade que responderá de forma integrada aos estímulos externos. Goldstein (1985) diz que “o organismo é uma só unidade; o que ocorre em uma parte, afeta o todo”. De acordo com Perls (1979), um organismo é qualquer ser vivo que possua órgãos, que tenha uma organização e que se auto-regule. Um organismo não é independente do ambiente, necessitando dele para trocar materiais essenciais. Através dessa troca o equilíbrio é alcançado e o organismo tem suas necessidades saciadas.
O modelo de formação de Gestalten (plural da palavra Gestalt) pode ser explicado com o seguinte exemplo: Digamos que uma pessoa está sentada sozinha e lendo. O livro, naquele momento, é o centro de seu interesse e a pessoa está simplesmente empenhada, em contato com as idéias. Não se pode dizer que ela está consciente de seu particular processo de leitura. Suponha-se que no decorrer da leitura ela vai ficando progressivamente sequiosa. Então o foco de sua atenção vai aos poucos sendo deslocada para a boca e o interior da boca. A leitura deixa de ser o foco do fenômeno. A pessoa vai ficando, então, cônscia de uma mudança em si mesma que tem implicações para as suas relações com o meio externo. E então a pessoa levanta, caminha, satisfaz sua sede e volta à leitura. Esse é o protótipo da formação e destruição da Gestalt. O mundo fenomenal é organizado pelas necessidades do indivíduo. Estas energizam o comportamento e organizam-no nos níveis subjetivo-perceptivo e objetivo-motor. O indivíduo, então, executa as atividades necessárias à satisfação das necessidades.
Um organismo morto não mais efetua trocas com o seu meio, as necessidades corporais de uma pessoa morta não existem. Mas no comportamento dos que ficam e tinham alguma ligação com o morto permanece a tentativa, muitas vezes desesperada, de que essas trocas continuem. Os vivos sentem dor, saudade, angústia não pelos que se foram, mas por elas mesmas, por não poderem mais amar e serem amados, por não poderem atingir seu equilíbrio através das interações que mantinham com a pessoa que perderam. Segundo Goldstein (2000), “ a satisfação de qualquer necessidade específica está em primeiro plano quando é um pré-requisito para a auto-realização de um organismo total ”. A capacidade de auto-realização, que é a tendência
criativa da natureza humana, numa situação de perda fica, portanto, comprometida, na medida em que as necessidades de troca com o morto não podem ser efetivamente saciadas.
É necessário enfatizar a diferença entre auto-realização e realização da auto-imagem. A sua auto-imagem não é quem você é. Mas sim o que você “acha” que deve ser ou parecer para os outros. Perls falava que onde algumas pessoas tem um self, a maioria das pessoas têm um vazio, pois estão muito preocupadas em parecer algo quenãosão. É o que ele chamou de “tormento do
ideal”, o tormento de que você não deve ser o que você é. E todo esse controle para manter a auto-imagem é internalizado, interferindo no funcionamento sadio do organismo. A auto-realização é salientada pela teoria organísmica como o impulso básico para se viver.
A reflexão sobre auto-realização, portanto, é elemento essencial para pensarmos sobre o viver, pois dá a possibilidade de vislumbrar aspectos da vida que merecem ser mudados para que se alcance uma existência mais plena e significante. Sócrates dizia que “uma vida que não é analisada não vale a pena ser vivida”. Okajima (2005) entende que a busca por um projeto de vida só é possível na medida em que exista também a satisfação das necessidades e
potencialidades.
Se vivemos realmente uma vida que valha a pena ser vivida, provavelmente
sofreremos menos ao nos depararmos com a possibilidade real da nossa própria morte.
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4 comentários:

Luis C. Callegario disse...

Depois que li essa citação de Karl Marx, o desejo de compartilhá-la foi imenso:

Vamos supor que o homem é homem e que a sua relação ao mundo é humana. Então, o amor só poderá permutar-se com o amor, a confiança com a confiança. etc. Se alguém deseja saborear a arte, terá de tornar-se uma pessoa artisticamente educada; se alguém pretende influenciar os outros homens, deve-se tornar um homem que tenha um efeito verdadeiramente estimulante e encorajador sobre os outros homens. Cada uma das suas relações ao homem e à natureza - tem de ser uma expressão definida, correpondendo ao objeto da vontade, da sua vida individual real. Se alguém amar, sem por sua vez despertar amor, isto é, se o seu amor enquanto amor não suscitar amor recíproco, se alguém através da manifestação vital enquanto homem que ama não se transforma em pessoa amada, é porque o seu amor é impotente e uma infelicidade.

Anônimo disse...

Próxima parte pra ontem, por favor!
Hehehe...

Cássio disse...

Luíz, muito interessante. Isso me lembra Ghandi: "você tem que ser a mudança que quer ver no mundo". E lembra também uma coisa que aprendi durante meu estágio em clínica, esse ano. Que nós (enquanto terapeutas) só podemos levar um cliente até onde nós chegamos. Não podemos exigir do outro aquilo que nós mesmos não podemos dar. Esse Outro que se entrega sem exigir com certeza deve viver no "tormento do ideal", torturando-se para manter uma imagem inquebrável.

Jean vincario disse...

que detonação parabens !!