terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Gestalt e Psicologia da Morte (Parte V)

Tomada de consciência, o Aqui-Agora

O Aqui-agora é o tema central para se refletir sobre a experiência da vida e
da morte. Na Gestalt-terapia, a tomada de consciência do presente é a
direção para enfatizarmos nosso contato autêntico com o meio. É através
desse contato com o momento presente que o indivíduo tem a possibilidade de
entrar em “Awareness”. O Awareness é um estado em que o organismo mantém-se
consciente de seu ciclo de iniciação e destruição de Gestalten. Nessa
condição, a pessoa descobre os mecanismos pelos quais ela aliena parte dos
processos de seu self, evitando a consciência de si e de seu ambiente.
Certa vez, um pianista chamado Vladimir Horowitz tocou uma peça musical
contemporânea dissonante em uma reunião particular. Ao final, alguém
perguntou: “Eu simplesmente não entendi o que essa peça significa, senhor
Horowitz. O senhor poderia explicá-la?” Sem uma palavra, Vladimir Horowitz
tocou novamente a peça, voltou-se ao indagador e anunciou: “É isso o que ela
significa!”.
Essa história retrata de forma simples a dificuldade em se lidar com a
consciência do agora. Fritz fala que o óbvio é uma das coisas mais difíceis
de entender. Muitas pessoas acabam bloqueando seus sentidos para evitar o
contato com o Agora. Elas olham, mas não vêem, escutam, mas não ouvem. Dessa
forma, se alienam, seguindo uma existência sem sentido para elas mesmas.
Nesse sentido, a Gestalt compartilha com o pensamento oriental a
contemplação e celebração de cada momento da vida. O viver no Aqui-Agora,
pregado até mesmo como filosofia de vida, significa estar livre das regras e
convenções impostas pelo intelecto, usufruindo da vida com naturalidade,
simplicidade e espontaneidade. Cada um tem seu próprio ritmo no Aqui-agora,
focalizando a mente no presente. É no presente que as experiências são
vivenciadas. As preocupações e agitação do cotidiano, detêm a mente do ser
humano. A Gestalt-terapia, por influência do zen-budismo, assume que a
postura do indivíduo deve ser de plena consciência de tudo o que se faz, o
que demanda uma constante observação e vivência da realidade.
Em contraste com esse pensamento, no mundo ocidental as pessoas tendem a
adiantar expectativas futuras ou a retroceder ao passado para defenderem-se
da dor do reconhecimento da possibilidade de morte no presente. O
reconhecimento da morte como inevitável, se integrado ao Aqui-agora, ao
momento presente, pode significar um amadurecimento precioso ao indivíduo,
na medida em que ele for por si mesmo assumindo a responsabilidade por dar
qualidade ao seu modo de viver, através da integração das partes do
organismo que foram descartadas pela auto-alienação.

6 comentários:

Unknown disse...

Essa quinta parte,trabalhada de maneira suave e pedagógica,só deu margem a um âmbito de harmonia,reflexão e energia para nós leitores!!! Viver o aqui-e-agora em termos de sensações,percepções e autoconhecimento...algo que marcou muito a mensagem pregada pelo texto =)

P.s: A cultura oriental é d+++...excelente colocação!

Parabéns :)

bonekinha

Natalie Dowsley disse...

é por isso que Sartre já dizia: "O que importa não é o que fazem do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele."
ótimo texto.

Renzo Torrecuso disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renzo Torrecuso disse...

Irretocável.
Impressionante como algumas experiências que tive de quase morte, ou de jejum de 3 dias alteraram meu "meio comportamental" (para usar um termo do assunto) sobre a Vida.

Ficou claro depois disso como faz sentido a visão oriental da morte como algo muito " da vida" , "natural" e mesmo belo. Ao encarar e desmistificar o suposto ponto de chegada, fim, fica confortável trazê-lo para o presente (pois afinal a morte é vida) e desta forma comecei a, pelo menos, entender a importância do AGORA.

O exemplo da música é otimo também.
A música ajuda a manter estados, quando considero que o que é real é o mental, percebo que a música abre dimensões inteiras de percepção de nós e do meio; ajuda a percepçao do estado de awareness, e finalmente me dá um vislumbre de como é efetivamente pleno o presente, abrindo caminho para o estado seguinte, quando a música acaba...vem o silêncio e a meditação...aí começa!
Como entusiasta e pouco informado pergunto: Qual é a postura da academia em relação à linha de pensamento deste seu texto?
Abraço

Luis C. Callegario disse...

Amigo não tenha medo de erros. Erros não são pecados. Erros são formas de fazer algo de maneira diferente, talvez criativamente nova.
Amigo, não fique aborrecido por seus erros. Alegre-se por eles. Você teve coragem de dar algo de si. (Fritz Perls)

Cássio disse...

Respondendo...
Renzo, obrigado pelo comentário.
Olha, eu acho que a academia está cada vez mais direcionando sua atenção ao social. Pelo menos foi essa a impressão que senti enquanto aluno. Esse meu texto, e todos os outros do blog tratam da vertente clínica da Psicologia, que é individual. Tive a sorte de ter tido uma excelente professora de Gestalt (daí surgiu minha paixão pela coisa).